terça-feira, 15 de maio de 2007

Das Raízes do Samba ao Samba de Raiz: música popular, identidade nacional e samba de partido-alto.

Das Raízes do Samba ao Samba de Raiz: música popular, identidade nacional e samba de partido-alto.

Joélio Batista

1.0 RAÍZES DO SAMBA


Pretendo tratar aqui, resumidamente, da história do samba, tanto como usualmente ela é contada como de uma forma mais crítica (não quero com isso dizer que a primeira forma esteja errada, ou seja, pouco informativa, mas como já dito esta deixa lacunas e interrogações que a outra pretende preencher).

1.1 As múltiplas facetas.

O que torna o samba um ritmo brasileiro apesar da origem africana, como tantos outros ritmos dos países sul-americanos, são as presenças múltiplas da sonoridade brasileira com origem na música de encantação indígena. Apesar do extermínio das populações indígenas e da aculturação dos mesmos, a música e o canto português (principalmente a música) se transformaram sobre influência da cultura indígena e essa nova sonoridade (muita dela usada pelos jesuítas como forma de aproximação com os índios) irá resultar numa musicalidade tipicamente brasileira.
Com características regionais, resultante das diferentes miscigenações de cada região do território nacional, teremos a musicalidade típica da região Norte, talvez a que mais se aproxime da cultura indígena; as influências da música dos holandeses e franceses que aportaram por aqui, principalmente no Nordeste; o Sudeste com presença espanhola e da música erudita européia; a região Central, talvez por ser explorada tardiamente, mais tímida em relação às outras regiões do país, sem deixar claro de ter sua cultura própria; e a região Sul com forte presença italiana, alemã e sobretudo dos países com os quais faz fronteira. É claro também que a cultura dos negros africanos também faz parte dessa mistura que resulta numa diversidade cultural e musical que se convencionou chamar de folclore de cada região.
Principalmente a partir do século XVII, com o aumento do tráfico negreiro, estes passam a reunir-se mais, nos momentos de folga, para celebrar seus ritos religiosos e de lazer e com isso não se deixar perder sua identidade e a ligação com sua terra natal e com suas tradições. No entanto a idolatria dessas manifestações pagãs, o culto a outros Deuses que não os católicos, muito incomodou os senhores donos de escravos à época, mas como setores da sociedade branca começaram a integrar rodas de batuque e a participar das cerimônias, as autoridades brasileiras contentaram-se em separar rito social de rito religioso, tolerando o primeiro e coibindo duramente as práticas do segundo (Tatit, 2004: 21). Daí a origem do candomblé enquanto rito marginalizado e profano, características que muitos setores da sociedade ainda associam a música e a dança africana o que, entre outros fatores, será responsável pelo encontro dos sambistas nos “fundos de quintal”, longe dos olhos das autoridades, ainda nas primeiras décadas do século XX.
Essas reuniões de fundo de quintal, em finais do século XIX e início do XX, principalmente no Rio de Janeiro , será o local de encontro de músicos que irão entrar para a história da música popular brasileira. As “casas das tias” como ficaram conhecidas, localizavam-se na “Pequena África” carioca, que englobava a Cidade Nova, os bairros da Saúde e da Lapa e a Praça Onze, onde ficava a casa da Tia Ciata, que entrou para história por ser o local da composição do Samba de maior polêmica autoral da história (ou o criador de tal polêmica). O samba em questão é “Pelo telefone”, que entre suas várias paternidades, é creditado a Donga (Ernesto Joaquim Maria dos Santos), que o gravou em disco em 1917 e segundo Henrique Alves, já o havia registrado na Biblioteca Nacional no dia 16 de dezembro de 1916, sob número 3.295 (Alves, 1968: 24).
Muitas das “tias” baianas responsáveis pelas festas e local de encontro das rodas de samba, eram mães dos principais sambistas da época, que hoje fazem parte da história da música popular – tia Presciliana, mãe de João da Baiana; tia Veridiana, mãe de Chico da Baiana; tia Amélia do Aragão, mãe de Donga e tia Gracinda, mãe de Didi. As festividades celebradas nesses terreiros iam além das rodas de samba:

“(...) a moradia dispunha de outros cômodos de fundo, nos quais se executavam os sambas de diversão talhados para os passos de dança, mas já contendo versos improvisados – espécie de versão profana dos antigos cantos responsoriais – que aos poucos iam se fixando. Imaginava-se então, nos cômodos intermediários ou ante-salas de visita, os já consagrados lundus e polcas garantindo a animação dos bailes de classe média. E nas salas de visita, por fim, o choro que já desfrutava um certo prestígio e reproduzia, por vezes, a situação de sala de concerto, onde se apresenta ‘música para ouvir’(Tatit, 2004: 31).
Além do curioso fato de se encontrarem num mesmo espaço físico, representantes das diversas camadas sociais e de se praticarem diferentes estilos musicais nesse mesmo espaço, vale notar que muitos dos que condenavam o samba e os sambistas para fora daquele local , toleravam a convivência com tais manifestações ali; sendo também que os acessos de um cômodo a outro não eram restritos e muitos integrantes da elite carioca participavam das rodas de samba.
O sucesso do samba “Pelo telefone”, abriu as portas do nascente mercado fonográfico. Numa via de mão dupla, onde “a expansão do mercado de discos dependia da simplicidade e popularidade das pequenas peças musicais, bem como da disponibilidade de seus intérpretes” e os cantores e compositores por sua vez, passam a receber pelo que antes faziam somente por diversão, além de terem agora reconhecimento por suas obras, que por falta de registro caiam no esquecimento. Diferente da música erudita e de outros estilos musicais que contavam com a escrita de partituras para serem executadas ao vivo, os sambas eram feitos de improviso e suas melodias e versos acompanhavam a fala cotidiana, muitos não mantendo a forma e sendo alterados de uma exibição para outra. O sucesso dos sambistas e dos sambas com o gramofone deu a estes a longevidade que outros estilos, como o lundu e o maxixe, não tiveram e, com o auxilio do alcance do rádio inaugurou, o que hoje conhecemos como música popular e transformou o samba no símbolo de identidade e orgulho nacional.

1.2 Origem do termo

O termo samba é de origem africana, derivado da palavra semba , mas precisamente do quimbundo (língua geral de Angola), que significa umbigo. Semba era então usado pelos negros africanos para designar uma batucada realizada em celebrações de casamentos, onde os dançarinos faziam movimentos de baixo ventre (chamada umbigada), roçando os corpos uns nos outros para simular antecipadamente o que os noivos realizariam quando estivessem a sós. Sendo então a umbigada e o maxixe (também de descendência africana), proibidos aqui pelo que tinham de libidinoso em sua dança, por seus arroubos coreográficos, muito mais que pelo canto .
No entanto o samba não se manteve preso às raízes da batucada africana (sem excluir essa, é claro!), o samba foi se constituindo com a soma de elementos novos sob influência das várias culturas com as quais teve contato. Sendo o samba composto de ritmo e melodia, onde o corpo acompanha a cadência do som e dificilmente consegue-se ficar inerte ao ouvi-lo, mesmo os que não tem “samba no pé”, acompanham o ritmo batendo na palma das mãos ou em qualquer objeto que encontrem ao alcance.

1.3 A transformação do Samba

“(...) a invenção do samba como música nacional foi um processo que envolveu muitos grupos sociais diferentes. O samba não se transformou em música nacional através dos esforços de um grupo social ou étnico específico, atuando dentro de um território específico (“ o morro”.). Muitos grupos e indivíduos (negros, ciganos, baianos, cariocas, intelectuais, políticos, folcloristas, compositores eruditos, franceses, milionários, poetas – e até mesmo um embaixador norte-americano) participaram, com maior ou menor tenacidade, de sua “fixação” como gênero musical e de sua nacionalização – os dois processos não podem ser separados. Nunca existiu um samba pronto, “autêntico”, depois transformado em música nacional. O samba como estilo musical, vai sendo criado concomitantemente à sua nacionalização (Vianna, 1995: 151).
Hoje em dia quando se pensa em Brasil, identidade nacional, pensa-se logo em futebol e samba. No nosso caso específico, o samba (e tudo a ele relacionado – carnaval, feijoada, caipirinha, etc.), hoje símbolos de brasilidade e orgulho nacional, sendo reconhecidos em todo mundo, nem sempre foi aceito como tal e nem facilmente chegou a este posto. Mas na historiografia da música popular, em geral e do samba, em especifico, pouca importância se dá a essa transformação de uma cultura “maldita” em elemento característico da cultura brasileira. O que se faz é separar em dois momentos distintos a história do samba, como se um não fosse conseqüência do outro, deixando ainda lacunas e interrogações pelo caminho. Num primeiro momento o samba (e toda cultura negra de modo geral), é reprimido pela sociedade e obrigado a ser praticado longe das autoridades e posteriormente dos centros urbanos, indo parar nos “morros” e fazendo parte de uma cultura menor, de uma raça inferior. Num segundo momento, o samba e os sambistas, conquistam as rádios e o carnaval, vindo este a ser sinônimo de samba; passa a ser aceito por elementos de todos os segmentos sociais, ainda símbolo da cultura brasileira e da identidade nacional, sendo representante direto da imagem do país no exterior.
A lacuna a ser preenchida é a de como se dá essa passagem? E como símbolos de uma cultura e de uma miscigenação, que até então eram responsáveis pelo atraso do país, são aceitos como o que há de mais brasileiro e mais grandioso para retratar o país?
È, em parte, essas questões que tento responder aqui, se não ao menos propor uma reflexão sobre o tema.
Como já visto desde o século XVII, os brancos aproximaram-se dos negros em suas celebrações, a proximidade do casarão e da senzala possibilitou não só a miscigenação racial, como também a transculturação (as influências mútuas de uma cultura na outra). Representantes das diversas camadas sociais branca sempre estiveram em contato com os negros e sua cultura (que estes fizeram questão de preservar), e se por um lado condenavam tais práticas pelo que tinham de profano, também se deixaram seduzir (assim como os senhores por suas escravas), pelo que tinham de exótico e envolvente.
Já em fins do século XIX, principalmente depois da abolição da escravatura, a proximidade entre negros e brancos é ainda maior (apesar dos negros ainda viveram a margem da sociedade e ainda serem inferiorizados perante os brancos), notadamente aqui no Rio de Janeiro, berço do samba. Toda região central, até a reforma urbanística de Pereira Passos (1902-1906), era habitada por diferentes grupos sociais, e sua paisagem contrastava entre os imensos casarões da alta sociedade que dividiam espaço com o amontoado de cortiços, residência das classes inferiores e dos negros ex-escravos que, entre outros, aportaram por aqui depois da abolição. Assim o fluxo entre essas classes e raças era rotineiro e os locais de fruição cultural dos negros eram também freqüentados por membros da elite branca. Logo, apesar da proibição, o samba quando passou a ser tocado nas rádios e vendido em Lp’s, não é necessariamente uma novidade para os brancos e logo entre estes, mas pertencentes às camadas mais pobres, surgem também cantores e compositores de samba.
Contrários a esse processo de afirmação e aceitação do negro e de sua cultura, ocorrem o processo de urbanização do centro do Rio de Janeiro, sob o governo do então prefeito da cidade Pereira Passos (1902-1906), e o processo de “branqueamento” do brasileiro, que já vinha ocorrendo desde os primeiros anos após a abolição e se inicia no sul brasileiro. O primeiro foi bem sucedido no propósito de abertura da Avenida Central (hoje Rio Branco) e de valorização da região central, também na expulsão de muitas famílias negras e pobres da região, que a princípio foram para a Cidade Nova, depois passando a residir nos subúrbios e favelas (a partir de então passa a existir o “samba de morro”). O segundo, muito mais ousado, foi frustrado, entre outros, pelos próprios imigrantes (alemãs, italianos, japoneses, etc.) que se recusaram a se misturar com os nativos daqui, se relacionado apenas entre si para manterem sua hereditariedade e suas tradições.
Mesmo após a reforma de Pereira Passos, era possível encontrar no centro da cidade uma mistura de todas as classes sociais. Sambistas renomados como Donga, Pixinguinha e Heitor dos Prazeres ainda residiam numa mesma república ali no centro e recebiam visitas de pessoas ilustres, como a do escritor Afonso Arinos, presidente da Academia Brasileira de Letras, entre outros. A aceitação do samba e dos sambistas por representantes da cultura nacional, da alta sociedade carioca e até mesmo de ilustres estrangeiros , ia aumentando à medida que a repressão aos sambistas diminuía. É importar notar também, que a repressão se direcionava aos negros em geral, não aos sambistas em particular e, à medida que o samba passa a ser aceito e os sambistas conhecidos, estes deixam de sofrer perseguições. Mas mesmo antes disto o centro já não era mais o reduto do samba, com a população negra e pobre enclausurada nas favelas, as rodas de samba e mesmo os cultos religiosos dos negros não mais incomodavam a elite carioca.
O processo de transformação do samba em música popular brasileira (enquanto as outras eram tidas como regionais) e, posteriormente, em símbolo de identidade nacional, foi longo e gradativo, onde a persistência dos negros em manterem suas tradições foi principal responsável. Também só foi possível dada à aceitação e ao reconhecimento do valor dessa cultura por pessoas como o compositor Villa-Lobos, o senador Pinheiro Machado, o futuro Presidente da República Hermes da Fonseca e do escritor Gilberto Freire, entre outros. Gilberto Freire tem papel importante na inversão do pensamento a respeito da miscigenação brasileira, o que era tido como motivo de vergonha e do atraso do país (essa era a justificativa dos que defendiam o “branqueamento”.) passa a ser motivo de orgulho e identidade da população brasileira, após o sucesso de seu livro “Casa-grande e senzala” (1933). É preciso aqui também não se deixar cair na armadilha da “reviravolta”, o que o livro de Freire fez foi “dizer” aquilo que a maioria já sabia e ninguém ousava dizer, que as relações entre a Casa-grande e senzala sempre foram mais próximas e íntimas do que a sociedade branca admitia. Aceitar a miscigenação foi também uma forma de “mea culpa” que os brancos encontraram para ficarem bem diante das sociedades européias, estas que reconheciam na miscigenação brasileira a força e símbolo de uma civilização tropical. Já em 1908 sambistas como João da Baiana, eram convidados a animar festas nas casas de personalidades ilustres, muitas das vezes para recepcionar estrangeiros que aqui aportavam; também ritmos notadamente de origem africana, como as modinhas e o maxixe, já haviam a essa época atravessado o atlântico diversas vezes e tido boa aceitação da moderna sociedade européia. Em 1922 foi à vez dos “Oito Batutas” (banda composta, entre outros, por Donga e Pixinguinha), conquistarem Paris, aonde chegaram a se apresentar para a família real brasileira.
Com a Revolução de 30 e a proposta de nacionalização e modernização da sociedade brasileira, de Getúlio Vargas, o samba passa a ser o representante da cultura nacional, sendo obrigatoriamente apresentado aos ilustres estrangeiros que visitavam o país, mesmo em recepções oficiais no Palácio do Catete. Muito por ser esse produto do estado que à época era a capital da República, também pela fácil aceitação do mesmo nas diversas camadas da sociedade, com a ajuda da difusão nacional que o rádio proporcionava. “O Brasil saiu do Estado Novo com o elogio (pelo menos em ideologia) da mestiçagem nacional, a Companhia Siderúrgica Nacional, o Conselho Nacional do Petróleo, partidos políticos nacionais, um ritmo nacional. Na musica popular, o Brasil tem sido, desde então, o Reino do Samba” (Vianna, 1995: 127).
De tal forma o samba fora enraizado à identidade nacional que já em 1940, após voltar dos EUA cantando “sambas” em inglês, Carmen Miranda fora vaiada e acusada de estar “americanizada” por estar utilizando de forma incorreta um símbolo nacional (sendo ela também um símbolo).
A aceitação de parte da cultura negra não significou necessariamente a aceitação dos mesmos. O contato da elite com esse mundo era (é?) feito por meio de convites a compositores já consagrados para se apresentarem nos salões da alta sociedade, o “território de autenticidade do samba” era visto como um local perigoso e incivilizado; o contato também se dava anualmente nas celebrações do carnaval, espetáculo feito para “estrangeiro ver” e para as altas classes poderem se misturar com os inferiores em segurança.
É preciso considerar a seguinte hipótese do antropólogo Peter Fly – “a conversão de símbolos étnicos em símbolos nacionais não apenas oculta uma situação de dominação racial, mas torna muito mais difícil a tarefa de denunciá-la”. Também a hipótese de o samba ter sido constituído como um produto de massa pela crescente indústria cultural e pelo mercado fonográfico, dado a sua simplicidade e sucesso. Isso sem negar o poder envolvente da sonoridade africana, que por si só conquistou enorme público desde os terreiros da senzala. Talvez por outros motivos que não esses, talvez pela soma de cada um deles, o que não podemos é aceitar uma reviravolta na história do samba, como também não existem reviravoltas no processo histórico, as mudanças se fazem gradualmente e mesmo às revoluções não se dão “da noite para o dia”. Talvez a conclusão mais lógica seja a de que, grupos particulares de indivíduos contrários ao samba e a miscigenação, foram aceitando-os pelos mais diversos motivos, com os quais mais se identificavam ou que justificassem suas posições em momentos específicos. Outros simplesmente tiveram de aceitar a decisão daqueles que detinham o poder, o samba não se tornou unanimidade e muito menos inverteu a ordem social a ponto de a cultura maldita do dia anterior se tornar à cultura nacional do dia seguinte.

2.0 SAMBA DE PARTIDO-ALTO

A escolha do partido-alto como objeto de estudo, foi em princípio para satisfazer minha curiosidade, não sendo ela feita em detrimento de nenhum outro estilo de samba. Veio também a encaixar perfeitamente no trabalho, por ser o partido-alto um estilo da raiz do samba, o próprio samba “Pelo telefone”, que entra para a história como o primeiro samba gravado, é um partido-alto, por isso, mais que um estilo o partido-alto é também a história do samba.

2.1 Samba raiado ou chula

Um dos primeiros estilos de samba de que se tem notícia surgiu no século XX mesclando formas antigas (o partido-alto baiano) a outras mais modernas (como o samba-dança-batuque). Caracteriza-se pela improvisação dos versos em relação a um tema e pela riqueza rítmica e melódica, samba para ser cantado e dançado.
De difícil execução, cultivado apenas por sambistas de “alto gabarito”, daí a expressão “partido-alto”, que substituiu as outras e indica algo nobre e de respeito. Freqüentemente praticado nas rodas de samba em tom de desafio, onde um dos participantes cantava seus versos que tinham de ser completados por outro participante sem perder o ritmo. Carlos Cachaça, parceiro de Cartola, nascido na Mangueira em 1902, lembra do partido-alto:

“O partido alto tinha sempre um cavaquinho acompanhando, cavaquinho e pandeiro, e se respondia em versos improvisados... mas era tudo dentro da mesma história... No partido alto, eu cantava um verso, outro cantava outro... era tudo a mesma família... gora acontece pouco partido alto. Se acontece é como surpresa. Hoje têm poucos que fazem isso” (apud Ulloa, 1998: 101-102).
Com o registro fonográfico, a partir de fins da década de 10 do século XX, os sambas passaram a ter uma forma fixa e não mais serem feitos de improviso sem preocupação com a letra (“Pelo telefone” teve várias versões, sendo estas feitas conforme a ocasião, aproveitando-se da forma e da melodia). Não que o partido alto deixasse de existir, mas teve de se adaptar a nova ordem e mesmo com forma fixa, partideiros como Bezerra da Silva, Zeca Pagodinho e Martinho da Vila, nos shows passam também suas mensagens na base do improviso.
No partido vale a regra de improvisar de acordo com o tema, mas diferentemente do repente nordestino, é tudo na base da brincadeira, não tem o tom de desafio cheio de regras. Também é característica do partido alto a batida e o tom:

“Esse termo é utilizado para denominar um tipo de samba que é caracterizado por uma batida de pandeiro altamente percussiva, com uso da palma da mão no centro do instrumento para estalos. A harmonia do partido alto é sempre em tom Maior. Geralmente tocado por um conjunto de instrumentos de percussão (normalmente surdo, pandeiro e tamborim) e acompanhado por um cavaquinho e/ou por um violão, o partido alto costuma ser dividido em duas partes, o refrão e os versos” (www.wikipedia.com/partidoalto. acessado em 04/12/2006)
Os sambas inspirados nessa tradição do partido, que para terem viabilidade no mercado fonográfico, passam a ter formas fixas, deixando de lado o improviso, recebem o nome de “partido alto estilizado”. O partido alto de raiz ainda pode ser encontrado em boas rodas de samba, pois ele necessita desse instante, dessa reunião para acontecer. São os partideiros anônimos, que circulam principalmente nos tradicionais redutos cariocas do samba, e são capazes de segurar o improviso por horas, afinal a inventividade e a magia do samba é de muito anterior aos shows, estúdios e indústria cultural. E como dizem muitos por aí, o brasileiro já nasce com o samba no pé e na alma.



Anexos:
Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo
Os tipos de samba mais conhecidos e que fazem mais sucesso são os da Bahia, do Rio de Janeiro e de São Paulo. O samba baiano é influenciado pelo lundu e maxixe, com letras simples, balanço rápido e ritmo repetitivo. A lambada, por exemplo, é neste estilo, pois tem origem no maxixe.
No Rio de Janeiro, o samba está ligado à vida nos morros e transforma-se no samba-de-roda. As letras falam da vida urbana, dos trabalhadores e das dificuldades da vida de uma forma amena e muitas vezes com humor.
Entre os paulistas, o samba ganha uma conotação de mistura de raças. Com influência italiana, as letras são mais elaboradas e o sotaque dos bairros de trabalhadores ganha espaço no estilo do samba de São Paulo.

Principais tipos de samba:

Samba-enredo
Surge no Rio de Janeiro durante a década de 1930. O tema está ligado ao assunto que a escola de samba escolhe para o ano do desfile. Geralmente segue temas sociais ou culturais. Ele que define toda a coreografia e cenografia utilizada no desfile da escola de samba.

Samba de partido alto
Com letras improvisadas, falam sobre a realidade dos morros e das regiões mais carentes. É o estilo dos grandes mestres do samba. Os compositores de partido alto mais conhecidos são: Moreira da Silva, Martinho da Vila e Zeca Pagodinho.

Pagode
Nasceu em São Paulo na década de 1980 e ganhou as rádios e pistas de dança na década seguinte. Tem um ritmo repetitivo e utiliza instrumentos de percussão e sons eletrônicos. Espalhou-se rapidamente pelo Brasil, graças às letras simples e românticas. Em alguns grupos o apelo erótico estava presente. Os principais grupos são: Fundo de Quintal, Negritude Jr., Só Pra Contrariar, Raça Negra e Katinguelê, Molejo, É o tchan, Patrulha do Samba, Pique Novo, Travessos, Art Popular.

Samba-canção
Surge na década de 1920, com ritmos lentos e letras sentimentais e românticas. Exemplo: Ai, Ioiô (1929), de Luís Peixoto.

Samba carnavalesco
Marchinhas e Sambas feitas para dançar e cantar nos bailes carnavalescos. exemplos : Abre alas, Apaga a vela, Aurora, Balancê, Cabeleira do Zezé, Bandeira Branca, Chiquita Bacana, Colombina, Cidade Maravilhosa entre outras.

Samba-exaltação
Com letras patrióticas e ressaltando as maravilhas do Brasil, com acompanhamento de orquestra. Exemplo: Aquarela do Brasil, de Ary Barroso gravada em 1939 por Francisco Alves.

Samba de breque
Este estilo tem momentos de paradas rápidas, onde o cantor pode incluir comentários, muito deles em tom crítico ou humorístico. Um dos mestres deste estilo é Moreira da Silva.

Samba de gafieira
Foi criado na década de 1940 e tem acompanhamento de orquestra. Rápido e muito forte na parte instrumental, é muito usado nas danças de salão.

Sambalanço
Surgiu na década de 1950 em boates de São Paulo e Rio de Janeiro. Recebeu uma grande influência do jazz. Um dos mais significativos representantes do sambalanço é Jorge Ben Jor, que mistura também elementos de outros estilos.

www.suapesquisa.com/samba



BIBLIOGRAFIA:

ALVES, Henrique L. “Sua excelência o samba”. São Paulo, Palma, 1968.

BARBOSA, Orestes. “Samba; sua história, seus poetas, seus músicos e seus cantores”. 2ªed Rio de Janeiro, Funarte, 1978.

LOPES, Nei. “Partido-Alto: Samba de Bambas”. Rio de Janeiro, Pallas, 2005.

TATIT, Luiz. “O século da canção”. Ateliê, 2004.

ULLOA, Alejandro. “Pagode, a festa do samba no Rio de janeiro e nas Américas”. Rio de Janeiro, MultiMais Editorial, 1998.

VIANNA, Hermano. “O mistério do samba”. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.: Ed. UFRJ, 1995.